sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

NONAGÉSIMAS-QUINTAS

Existem várias pequenas atitudes que mostram a educação que se tem ou não se tem. Eu até sou um bocado avesso à chamada etiqueta, mas reconheço que há pequenas coisas que têm o condão de me irritar. Exemplo: não me darem o troco de um pagamento na mão. No meu bairro há uma leitaria onde só entro quando as demais estão todas fechadas. E porquê? Além da parca higiene que transpira de tudo o que existe dentro da loja, a começar pelos donos, o costume é justamente atirar a infinita quantidade de moedas de troco de qualquer nota com estrondo no balcão. A mão fica estendida, ao lado das moedas já espalhadas à espera que alguém as apanhe.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

NONAGÉSIMAS-QUARTAS

Feliz Natal. Para todos. Eu, ermo, o celebro.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

NONAGÉSIMAS-TERCEIRAS

PORTAS

Mesmo com a fachada florida,
encerro a porta e roubo-lhe o batente
para que ninguém me toque.
Fecho-me na cave de mim e aguardo
a trovoada em que me desabosem mais pétalas do que quer que seja
fico assim confinada
a dedilhar-me de mansinho arrumando a gaveta
que em mim trago.

Fátima Pinto Ferreira
Cão Com Pulgas

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

NONAGÉSIMAS-SEGUNDAS

Há um tipo de pessoas que me irrita solenemente. São aquelas pessoas que falam compulsivamente, a uma velocidade superior à da luz. Parece que o mundo vai acabar no segundo exacto em que elas se calarem e em que a torrente cessar. Como se falar fosse a alquimia para manter a vida acesa. Não deixam ninguém falar. Logo que que o interlocutor balbucia duas palavras a mais, ei-las a saltitar de assunto à mesmíssima velocidade com que falaram do anterior. Quando essas pessoas se vão embora um descanso desce, prazenteiramente, sobre a minha cabeça.

domingo, 21 de dezembro de 2008

NONAGÉSIMAS-PRIMEIRAS

É do Porto e usou a Tvtel o vistante 1.000 do Palavras Ermas. Mil visitas. Para ler estas palavras com que aqui vou registando o labirinto por onde passeio. Eu só agradeço este desrespeito pela ermitude, esta companhia que me fazem, mesmo quando estou na ilha apenas olhando em redor para a água que me cerca, ou para cima, para a que me molha.

sábado, 20 de dezembro de 2008

NONAGÉSIMAS


LADAÍNHA DOS PÓSTUMOS NATAIS

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
e que não viva ninguém meu conhecido.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito.

David Mourão Ferreira

Tirei este lindíssimo poema d' O Privilégio das Caminhos.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

OCTOGÉSIMAS-NONAS

O bem estar emocional mede-se, entre muitas coisas possíveis, por esta: a capacidade de apreciar a noite e, antes disso, a necesssidade de poder apreciar a noite. Voltou-me. Por uns dias. Aproveito.

sábado, 13 de dezembro de 2008

OCTOGÉSIMAS-OITAVAS

As trevas estão de volta por uns dias.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

OCTOGÉSIMAS-SÉTIMAS

Cada lugar tem uma noite única. Com o seu cheiro, a sua cor escura, o seu eco. Cada noite é uma inspiração diferente, um afecto diverso, uma temperatura diferente. Cada inspiração transporta-me para pensamentos especiais, sentimentos únicos, climas interiores irrepetíveis. Ouvir a noite é essencial à natureza humana. Falar com ela.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

OCTOGÉSIMAS-SEXTAS



Lágrimas ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

domingo, 7 de dezembro de 2008

OCTOGÉSIMAS-QUINTAS

São cinco da tarde. Cai a noite. Acendem-se as luzes em casa e nas ruas. Algumas são luzes de Natal. Só algumas. asoutras são as luzes de todos os dias e de todas as noites que passam e voltam. Passam e voltam sempre. Mecanicamente. Faz medo, esta mecânica. Pela impotência de a mudar.

sábado, 6 de dezembro de 2008

OCTOGÉSIMAS-QUARTAS

Reparei que um blogue que muito aprecio, um verdadeiro diário de poeta, escrito apenas em poesia, fez quatro anos de vida. Parabéns ao seu autor, blogger maior, Torquato da Luz de seu nome, que com o seu diário consegue tornar menos difícieis os dias de viver e alimentar o sonho de poetar que há em cada um de nós. Deixo-vos esta, que tem particularmente a ver com o meu momento. Como se fosse o Poeta a escrevinhar o meu próprio diário de poesia.

Quando se quebra o encanto e não há nada
mais a fazer que suportar a dor,
quando a noite não traz a madrugada
e o mundo se acinzenta e perde a cor,
quando parece ser o fim da estrada
e qualquer coisa diz que a caminhada
poderia ter tido outro sabor,
é mais que tempo de saltar o muro
e retomar a busca do futuro.

OCTOGÉSIMAS-TERCEIRAS

Já um dia me disseram que sou poeta por dentro. Eu nunca tive jeito para uma estrofe de bairro ou de fotonovela, como as que antigamente, no tempo em que havia o primeiro e o segundo canal da RTP e era um pau, as donas de casa liam avidamente as revistas de fotonovelas. De vez em quando consigo expressar o meu estado emocional com uma frase especial e é tudo. Por isso só tenho de agradecer à amiga Júlia não só a persistência dos comentários como a adjectivação que neles faz do que aqui vou deixando pingar nos intervalos da dureza da vida. Faz-me sentir o que não sou e, bem, concedo, isso, como as "árvores com folhas de arco-íris", também me ilumina por dentro. A Júlia não me conhece, nem eu a ela, nem sabe por que estou a passar. Por isso o que escreve tem tanto valor para mim. O conhecimento tira autenticidade às palavras. Das outras, dessas palavras sem rede, como o trapézio arriscado dos circos que me encantavam em criança no velhinho Coliseu dos Recreios e sempre no dia de Natal, onde a minha avó Irene me levava, é que devemos guardar como pedras preciosas no sangue que nos corre nas veias para irrigar o "sinto, logo existo". Obrigado, Júlia. O seu caminho tem sido uma dádiva para mim. E um privilégio também.

OCTOGÉSIMAS-SEGUNDAS


De novo em frente da janela por onde avisto o mundo. Vejo, por entre o maciço nevoeiro as formas que se movimentam em vida. Luzes esquivas ao fundo denunciam o Natal antecipado. Árvores com folhas de arco-iris é que me iluminam por dentro. Mais as palavras que se soltam no tropel da imaginação. (Fotografia)